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segunda-feira, 19 de setembro de 2011
Aves Migratórias
A triste-pia, um parente da América do Norte do merlo, encontra o caminho até seu destino de inverno na América do Sul através do sol, estrelas, paisagens, campos magnéticos da Terra e luzes polarizadas invisíveis aos olhos humanos. O pássaro cantante viaja 9.656 quilômetros sem guias e com poucos meses de idade.
E ele não é o único. Milhões de pássaros do tamanho da palma da mão se apressam em direção ao sul nas noites do outono americano, enchendo monitores de radares meteorológicos como tempestades. Gansos, aves de rapina e aves costeiras também migram, às vezes atravessando continentes inteiros.
Espécies do gênero Sterna e albatrozes ziguezagueiam pelos oceanos, atravessando milhões de quilômetros durante suas vidas médias de 50 anos, os vôos mais longos conhecidos pela ciência.
Embora as aves migratórias estejam entre os viajantes aéreos mais bem-sucedidos do mundo, os mistérios de como elas conseguem a façanha e para onde se dirigem permanecem sem solução.
Até 80% de todos os pássaros das florestas norte-americanas fazem jornadas sazonais, mas apenas recentemente os ornitólogos passaram a rastrear as migrações de longa distância além de suas áreas de veraneio, onde se reproduzem. E os pesquisadores estão apenas começando a responder perguntas básicas sobre as habilidades, hábitos ao longo do ano e riscos que essas aves enfrentam.
Apesar dos cientistas não saberem como muitas aves migratórias passam o período não-reprodutivo – o acompanhamento completo das migrações é um campo relativamente novo – eles sabem que essas aves enfrentam ameaças sérias e sem precedentes. E isso se tornou uma preocupação urgente desde que se detectou um acentuado declínio no número de aves migratórias.
“Nos anos 1970 e 1980, veio a epifania, ‘meu Deus, esses pássaros não apenas migram, eles também passam seis meses nos trópicos e levam alguns outros meses para chegar aos trópicos’”, disse o ornitólogo Russel Greenberg, diretor do Centro Smithsonian de Aves Migratórias em Washington, D.C. “Agora que as populações de aves migratórias parecem estar declinando ou mudando muito, todos começaram a ficar desesperados”.
Os rigores físicos e os diversos perigos da migração causam cerca de 85% das mortes de todos os pássaros cantantes, e a ação humana está contribuindo com os perigos, alerta Miyoko Chu, ornitóloga da Universidade Cornell.
Cada vez menos pássaros retornam de suas áreas reprodutivas todos os anos, devido a envenenamentos por pesticida, perdas de habitat para a agricultura predatória e outras pressões humanas. A mudança climática pode prejudicar habitats e alterar o ritmo ecológico do qual essas aves dependem, incluindo picos em suas fontes de comida.
Declínios Dramáticos
Nas Américas, mais da metade de todas as espécies migratórias foi reduzida em número nos últimos 40 anos, segundo a BirdLife International, um grupo de conservação com sede no Reino Unido. A organização ambiental National Audubon Society alerta que algumas espécies norte-americanas chegaram a declinar até 80% nas últimas quatro décadas.
Aves que voam entre Europa, Oriente Médio e África também diminuíram, em 40%. Mas a razão exata ainda é desconhecida. Por isso, ornitólogos trabalham para descobrir aonde os pássaros vão e quais os desafios que enfrentam em cada estação – antes que suas jornadas fiquem ainda mais duras.
Com a análise de moléculas dos tecidos das aves, a marcação com sensores de localização e até o estudo de como elas aprendem estratégias de sobrevivência com pássaros locais durante o caminho, cientistas começaram a entender como as condições que as aves enfrentam durante o verão podem afetar sua sobrevivência no inverno, e vice-versa.
O caso do misterioso desaparecimento da Triste-Pia
A população de triste-pia declinou quase 50% desde 1996, de acordo com a Pesquisa de Reprodução de Pássaros da América do Norte.
Rosalind Renfrew, bióloga do Centro Vermon para Eco-estudos, espera descobrir algumas das causas dessa perda decifrando a dieta dos pássaros. Ela está fazendo isso através da coleta de penas da espécie e análise de seus isótopos estáveis – uma das mais promissoras estratégias para interpretar como as circunstâncias nos territórios de inverno afetam o sucesso das aves em seus territórios reprodutivos e sua sobrevivência em geral.
Durante os anos 1990, cientistas começaram a estudar isótopos (versões de um elemento com diferente número de nêutrons) em aves migratórias para monitorar a dieta de grandes grupos. Tristes-pia, que voam em enormes aglomerações, desenvolvem novas plumagens reprodutivas contendo isótopos de carbono e nitrogênio de seus alimentos da América do Sul.
A informação que cientistas extraem dos isótopos nas penas “revela seus habitats de inverno, o que determina as ameaças que podem enfrentar”, explicou Renfrew, que está no momento analisando penas removidas no último verão americano.
Essas ameaças incluem pesticidas na Bolívia e, em menor extensão, medidas de controle contra tristes-pia de fazendeiros sul-americanos, que as consideram pragas. (Fazendeiros na América do Norte costumavam atirar nesses pássaros até uma lei de proteção dos EUA coibir a ação.)
À medida que áreas cultivadas substituem as vegetações sul-americanas nas quais a triste-pia costumava se alimentar, sua dieta também muda. Com o apoio do Comitê para Pesquisa e Exploração da National Geographic Society, Renfrew analisa a extensão da atual dependência da triste-pia do arroz sul-americano ao invés das sementes silvestres.
O arroz pode engordar melhor os pássaros, mas também traz riscos, como pesticidas, e pode não resultar na condição física ideal para migração e reprodução.
Monitorando uma migração de 16 mil quilômetros
Cientistas também estão usando transmissores por satélite para monitorar diretamente os movimentos de grandes pássaros, e são capazes de descobrir, pela primeira vez, o percurso exato e as distâncias extraordinárias por quais algumas aves viajam. As vidas de muitas aves marinhas e costeiras permanecem verdadeiros quebra-cabeças para esses sensores de 30 gramas.
O biólogo marinho Andrew Westgate, financiado pela National Geographic, amarrou ou colou transmissores a pardelas-de-bico-preto, aves semelhantes a gaivotas que parecem estar em declínio no oceano Atlântico.
O líder do projeto de Westgate, o biólogo Rob Ronconi, da Universidade Dalhousie em Nova Scotia, rastreou as pardelas-de-bico-preto por mais de 16 mil quilômetros, atravessando três oceanos – o primeiro registro de sua migração pelo Atlântico, que as levou da América do Norte à África, voltando para o oeste em direção à América do Sul, e finalmente até seu território de nidificação, entre os dois últimos continentes.
Derramamentos de petróleo, rotas pesqueiras e predadores introduzidos em alguns pontos de ninhos podem estar contribuindo com o declínio aparente das pardelas, mas cientistas ainda precisam reunir evidências fortes de quantas aves estão morrendo.
Programas de rastreamento por satélite como esse podem lançar novas luzes sobre a questão. Importantes medidas de proteção já resultaram da informação que outras aves marinhas forneceram.
Pelo rastreamento do albatroz em risco de extinção, ornitólogos demonstraram que muitos perecem depois de ficarem presos em instrumentos de pesca. Isso ajudou a firmar um tratado entre 12 países, o Acordo para Conservação dos Albatrozes e Petréis, ao qual o presidente Bush propôs que os EUA aderissem em outubro de 2008.
Tempo se esgotando
Apesar dos avanços na pesquisa e compreensão de aves migratórias e suas rotas, o sistema completo da migração aviária ainda é desconhecido, alertam Douglas Levey e Alex Jahn, zoólogos da Universidade da Flórida. Eles lideram os estudos de DNA de grandes migrações no hemisfério sul, que abarcam a América do Sul, o continente mais rico em pássaros da Terra, do qual pouco se sabe até agora.
“Acreditamos que, com tecnologias modernas como técnicas genéticas e isótopos estáveis, as pesquisas migratórias na América do Sul podem avançar bastante em muito pouco tempo”, disse Levey, que tem o apoio da National Geographic em sua pesquisa.
E o tempo está se esgotando: a agricultura predatória na América Latina está dizimando a cobertura florestal protetora e rica em alimentos para pássaros como o tesourinha, uma das aves que Levey estuda.
À medida que essas florestas diminuem, o mesmo acontece com o número de pássaros que dependem delas para abrigo e alimento. As aves são obrigadas a procurar outros lugares, o que pode, em alguns casos, deixá-las mais vulneráveis a predadores.
Mas uma nova pesquisa mostra que a população de aves local pode ajudar os pássaros migratórios fornecendo informações sobre os estranhos predadores que encontram ao longo de suas rotas.
Joseph Nocera, biólogo da Universidade de New Brunswick, demonstrou pela primeira vez que pássaros cantantes migratórios identificam e evitam esses predadores enquanto viajam rumo ao sul. Eles aprendem quais animais são perigosos prestando atenção nos alarmes dos pássaros nativos.
Com o apoio da National Geographic, Nocera descobriu que pássaros como a juruviara norte-americana e o tordo de Swainson, migrando do Canadá a Belize, observam em silêncio e aprendem com os pássaros locais, apenas “relaxando, enquanto aproveitam os benefícios da informação privilegiada”.
Ele comparou o processo de aprendizado dos pássaros viajantes à sua própria experiência na sua primeira vez em Belize: “Nunca sabia qual animal evitar ou não”, lembrou. “Pulava a cada cobra que via. Então pensei, o que deve passar uma ave migratória!”
Entrar no cérebro dos passarinhos como fez Nocera é um grande avanço para a ciência migratória, disse Greenberg, do Centro Smithsonian de Aves Migratórias.
Ele antecipa que pesquisas futuras sobre como migrantes individuais fazem escolhas e usam o conhecimento espacial adquirido nas jornadas irão ajudar os cientistas a encaixar melhor as peças do quebra-cabeça migratório.
Complicações de conservação
Abordagens conservacionistas são às vezes complicadas, porque as regras de proteção variam de país a país e há escassez de dados de extensas áreas, incluindo boa parte da África e sul da Ásia. Mas conservacionistas estão confiando nas pesquisas recentes para calibrarem suas estratégias.
Se certos pesticidas prejudicam alguns pássaros, outras alternativas podem ser consideradas. Para alguns pássaros, preservar suas bases de verão e inverno pode ser a solução. Para outros, “são as dezenas de locais intermediários que têm importância crucial”, disse Martin Fowlie, porta-voz da BirdLife International. “Só nos últimos anos, com essas novas tecnologias, entendemos quão importantes alguns desses lugares são”.
Mesmo agora, apesar dos declínios, migrantes ainda tomam os céus, dando esperança a ornitólogos e conservacionistas.
“A hora de proteger um pássaro é quando ele ainda é comum”, disse Greenberg. “O que amamos sobre a migração é que podemos sair em um dia de primavera e enxergá-la”.
Fonte: Terra Ciencia
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